domingo, 23 de maio de 2021

Assitência Jurídica Integral e Gratuita: direito do jurisdicionado, função-dever do Estado e Acesso à Ordem jurídica

 

Prof. Me. Evandro Carlos Garcia

Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campus de Três Lagoas

artigo publicado em: http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/INTERTEMAS/article/view/7594


RESUMO: O Estado, ao avocar o monopólio da Justiça, assumiu o dever-função de garantir aos seus jurisdicionados o acesso à ordem jurídica e à justiça, por meio de seus Tribunais, se necessário. Assim, qualquer elemento que impeça ou dificulte o acesso do jurisdicionado à sua ordem jurídica deve ser afastado, sob pena de acarretar insegurança e tensão social capazes de comprometer o convívio em sociedade e até a autoridade do Estado. Imperioso reconhecer que o acesso à ordem jurídica não se resume ao acesso aos Tribunais. Mais que isto, é fundamental que o jurisdicionado conheça a lei, seus direitos e seus limites, podendo efetivamente participar da construção da ordem jurídica do Estado ao qual pertence, havendo garantias aos seus jurisdicionados de acesso a mecanismos de proteção e prevenção de conflitos de interesses. A Assistência Jurídica Integral e Gratuita constitui um instituto jurídico que tem a função de mitigar os obstáculos que se apresentam para o acesso dos jurisdicionados economicamente hipossuficientes à ordem jurídica, uma função-dever do Estado, competindo-lhe propiciar àqueles o direito processual-material de utilizar, de forma gratuita, o serviço público do Estado de: consulta e orientação jurídica; utilização dos serviços de advogados na defesa judicial ou extrajudicial de seus interesses; utilização de serviços de auxiliares da justiça; isenção e dispensa de pagamento de custas, taxas e despesas processuais e extraprocessuais necessárias à defesa de seus interesses em juízo ou em órgãos administrativos; e, ainda, dispensa do pagamento das despesas extraprocessuais que não se exaurem no processo, para efetivação do direito reconhecido pelo Estado.

Palavras-chave: Assistência Jurídica Integral e Gratuita; Acesso à justiça; Função do Estado-Juiz

 

ABSTRACT: The State, when imputing the monopoly of Justice, assumed the duty-function of guarantee to their jurisdicted staff the access to the juridical order and to the justice, through their Courts, if necessary. Thus, any of elements which prevents or makes difficult the jurisdicted staff access to its juridical order must be far away under punishment of causing insecurity and
social tension which are able to compromize the living together  in society and even the State authority. It isessential to recognize that the access to the juridical order does not resume to the access to the Courts. More than this, it is fundamental that the jurisdicted staff
knows the law, his rights and limits, being able to participate efectively of the construction of the State juridical order in which they belong to, having garantees to their jurisdicted staff of access to mecanisms of protection and prevention of interests conflicts. The Integral and Free Juridical Assistence constitutes a juridical institute which has the function to soften the obstacles that present to the jurisdicted staff access economically hyposufficient to the juridical order, a State function-duty, which compete them to give those ones the processual-material right to use freely the State public service of: consult and juridical orientation, the use of lawyers'services in judicial defense or extrajudicial of their interests; the use of justice auxiliaries'services; exemption and dispensation of costs payment, processual and extraprocessual taxes and expenses necessary to the defense of their interests in a law court or in administrative organizations; and thus, the exemption of extraprocessual espenses payment which do not exhaust in the process for the achievement of the right recognized by the State.

Key words: Integral and Free Juridical Assistence; I access to the Justice; Role of the State Judge


1.   Introdução. 

Um dos maiores desafios da sociedade é viabilizar a paz social, e, desde os primórdios da civilização organizada, busca formas de prevenção e composição de litígios capazes de garanti-la. O Estado, assim, assumiu na relação homem-sociedade, importância significativa, tornando-se elemento de sustentação da estrutura social, especialmente pelo fato de avocar a responsabilidade de assegurar aos seus jurisdicionados a segurança e a inviolabilidade de seus bens corpóreos e incorpóreos.

Para melhor compreensão este estudo parte da relação Homem, Sociedade e Estado e a construção do processo de legitimação e extensão do poder do Estado, para então adentrar à função contemporânea do Estado e a jurisdição: função do Estado-Juiz, o que nos conduzirá ao estudo do acesso à justiça no Estado Democrático de Direito e o direito à jurisdição e à ação.

Neste contexto, a hipossuficiência econômica mostra-se como um fator importante e a relação pobreza e justiça exige a atuação do Estado para mitigar os seus efeitos, cenário em que o Instituto da Assistência Jurídica Integral e Gratuita constitui um dos instrumentos do Estado para garantir o acesso à Justiça, e seus corolários, àqueles que não dispõem de recursos financeiros para sua defesa junto ao Estado-Juiz, integrando-os ao processo de construção e legitimação do Estado Democrático de Direito, garantindo sua participação no processo de construção e legitimação da ordem jurídica, incluindo-os nesta ordem, o que conduz, portanto, ao dever-função do Estado em prestá-la.

 

2. O Homem, a Sociedade e o Estado 

O instinto não é o único propulsor do homem; a espécie humana é dotada de razão, o que lhe permite planejar o futuro, idealizar e ver em suas ações um propósito. Por meio da razão, o homem arquiteta a concretização de suas expectativas de futuro, mesmo que o seu desejo seja a permanência do status quo. Assim, o homem age, reage e interfere em seu hábitat não somente por instinto, mas também pela razão, certamente influenciada por todo um conjunto de sentimentos que constituem a complexa personalidade humana.

O instinto, como padrão inato do comportamento, gradativamente é moldado ou suplantado pela razão. As respostas aos estímulos externos tendem cada vez mais a satisfazer as necessidades e os interesses do homem, muitas vezes demarcados pelo jogo dinâmico de forças móveis, heterodoxas e antagônicas. Como bem observou Wolkmer (2000, pág. 65), cada indivíduo, vivendo na dimensão de um mundo simbólico, lingüístico e hermenêutico, reflete e incorpora padrões de comportamentos múltiplos e específicos.

O homem também é dotado de carências, entre elas a de estar com outro ser vivo, preferencialmente com seus pares. Esta característica da espécie humana não permite a este viver em completa solidão, forçando sua sociabilidade e a sua integração social.

Portanto, se o homem busca companhia de outro ser com o fim de concretizar suas expectativas de futuro, proporcionadas pela razão, também o faz por uma necessidade natural. Neste contexto, a sociedade se torna o resultado das tentativas do homem de satisfazer suas necessidades, de atender a seus fins, de realizar suas expectativas de futuro, que se concretizam pelo esforço mútuo dos integrantes da sociedade e pelo jogo de interesses que, de certa forma, dão o equilíbrio necessário à sustentação dessa estrutura. Nesta linha de raciocínio, podemos definir sociedade como 

uma espécie de contextura formada entre todos os homens e na qual uns dependem dos outros, sem exceção; na qual o todo só pode subsistir em virtude da unidade das funções assumidas pelos co-participantes, a cada um dos quais se atribui, em princípio, uma tarefa funcional; e onde todos os indivíduos, por seu turno, estão condicionados, em grande parte, pela sua participação no contexto geral” (HORKHEIMER, ADORNO, 1977, pág. 263).

No entanto, pela própria individualidade de cada homem e pela heterogeneidade do comportamento humano, as expectativas de futuro que cada indivíduo nutre podem ser diversas e até antagônicas, motivo pelo qual as razões que levam os homens a unirem-se, estruturarem-se em sociedade, nelas permanecerem e criarem formas de gerenciamento das relações intersubjetivas são as mais diversas. Consequentemente, os reflexos destes fenômenos na vida do homem e da sociedade também não serão uniformes. Assim, se um homem se une a outros homens, formando uma sociedade, e estes não comungam das mesmas razões ou se buscam outros objetivos além dos que os uniram, certamente, o resultado esperado por um poderá ser diferente do resultado esperado pelo outro. Consequentemente, alguns homens podem dar-se por satisfeitos e outros, não. 

Neste contexto, o convívio social, quanto maior e mais complexo o seu grupo, pode gerar conflitos de interesses, pondo em risco tanto o homem como a sociedade, motivo pelo qual quanto maior o número de integrantes em uma sociedade e maior a sua complexidade, maior será a necessidade de regras de convivência para sustentação desta estrutura, até mesmo de sobrevivência do indivíduo, que, inexoravelmente, exige a limitação da liberdade individual, até mesmo pelo fato de uma agressão poder gerar outra, comprometendo a paz social. Conseqüentemente, a concretização das expectativas de futuro dos homens passa a ser incerta, deflagrando o risco de degenerar num estado de guerra. Há que se levar em conta, ainda, que a indefinição quanto às regras postas pela sociedade e os direitos inerentes a cada indivíduo é também fonte de angústia e tensão individual e social. Pendências de situações desta natureza são inegável fator de sofrimento e infelicidade, que também põem em risco a paz social, refletindo, inexoravelmente, uma reação negativa ao grupo social e ao indivíduo, razão pela qual, se torna imprescindível a existência de instrumentos hábeis a mitigar os reflexos negativos da ação humana. Portanto, indispensável uma estrutura de gerenciamento das relações intersubjetivas, que implica a formulação de regras e normas de conduta impostas aos membros da sociedade e instrumentos de composição de litígios.

É necessário reconhecer que há forças móveis, heterodoxas e antagônicas que agem e reagem no homem e no meio social, como os interesses, as paixões, a moral, a ética, as crenças, os dogmas, os medos, e todo o conjunto de sentimentos que constituem a complexa personalidade humana e dão identidade a um grupo social. É preciso ter em mente que a vida social é um processo incessante e progressivo, comportando alterações de valores no tempo e no espaço, o que torna possível o surgimento da necessidade de implementação de novas funções a serem exercidas pela sociedade, com ou sem o abandono das primitivas.

A viabilização da paz social se torna um dos maiores desafios da sociedade. O Estado, assim, assumiu na relação homem-sociedade, importância significativa, tornando-se elemento de sustentação da estrutura social, especialmente pelo fato de avocar a responsabilidade de assegurar aos seus jurisdicionados a segurança e a inviolabilidade de seus bens corpóreos e incorpóreos.


3. Legitimação e extensão do poder do Estado

Uma vez estabelecida e organizada a sociedade em uma estrutura complexa, seja em decorrência de um processo natural, ou em decorrência da criação racional do homem, por meio de um pacto entre integrantes de um grupo, essa estrutura passa a ser entendida como forma suprema de organização de uma comunidade e, como tal, traz consigo, desde suas origens, a tendência para colocar-se como poder absoluto, isto é, como poder que não reconhece nenhum limite além dos determinados por si mesmo. 

Nesta linha de raciocínio, o poder do Estado está diretamente ligado ao poder exclusivo de produzir o direito, de produzir normas vinculatórias para os membros da sociedade na qual impera, não conhecendo outro ordenamento jurídico que não seja o próprio; em uma relação em que todos os jurisdicionados devem se submeter às suas normas e ao seu poder. Contudo, é imperioso haver legitimidade do exercício do poder, ou seja, deve haver uma justificativa aceitável que obrigue os indivíduos a se submeterem a ele.

Analisando-se as teorias que buscam encontrar o fundamento do poder estatal e a sua legitimação, é possível justificar na história do pensamento político tipos diferentes de Estados, tanto a monarquia absoluta quanto o Estado democrático, tanto um poder ilimitado quanto um poder limitado, motivo pelo qual é aceitável o temor do mau uso e abuso do poder estatal.

É essencial destacar que o poder transferido à sociedade política – Estado - é precisamente aquele necessário para exercer plenamente a atividade de gerenciamento da comunidade, de forma a impedir que os indivíduos, na busca de seus próprios fins, cheguem a conflitos, ou que, uma vez instaurado o conflito, possa compô-lo, de modo que venha a restaurar a paz social pretendida e, como fim último, concretizar as expectativas de futuro dos indivíduos sem se opor às expectativas de futuro do grupo social.

Neste sentido, dispõe o Código de Malinas, em seu art. 43: 

“Gerente do bem comum, a autoridade deve, em primeiro lugar, proteger e garantir os direitos dos indivíduos e das coletividades que compreendem. Porque a violação destes direitos tem uma repercussão profunda e nefasta no bem comum, que o Estado tem a seu cargo, enquanto que, pelo contrário, o respeito do direito de cada um favorece o desenvolvimento do bem de todos. É preciso, pois, um poder capaz de prevenir os abusos, obrigar aos recalcitrantes e castigar aos delinqüentes” (CASTELLO BRANCO, 1988, pág. 75).

Assim, o Estado deve ter poderes suficientes para garantir a plenitude da satisfação das expectativas dos membros da sociedade. No entanto, referido poder não pode ultrapassar os limites do razoável e do necessário, sob pena da perda da legitimidade da ação, que fatalmente deságua no abuso de poder e no comprometimento do processo de legitimação da autoridade política.

Algumas teorias foram construídas com o objetivo de fornecer remédios contra o abuso do poder. Entre as teorias se destacam três grupos: a teoria dos direitos naturais, ou jusnaturalismo; teoria da separação dos poderes e teoria da soberania popular ou democracia.

O Estado necessita da legitimação de seu poder, o qual é indispensável para a consecução de seus fins. No entanto, reconheceu-se também que o poder absoluto e ilimitado é tão ou mais perigoso quanto a sua ausência, motivo pelo qual a sociedade encontrou, nas normas jurídicas, a saída para a manutenção do poder, como também a sua destituição, se violados os princípios legitimadores do poder a ele atribuído.

O Estado brasileiro estruturou-se na separação dos poderes, estabelecendo entrosamento entre eles, além de propiciar-lhes equilíbrio e atuação sem perda de autoridade e isenção. Assim, os contrapesos que se utilizam objetivam os instrumentos limitadores dos atos do Estado.

 

4. A função contemporânea do Estado e a jurisdição: função do Estado-Juiz

 Oportuno, neste momento, fazer menção à lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (1992, pág. 21):

“Existe função quando alguém está investido no dever de satisfazer dadas finalidades em prol do interesse de outrem, necessitando, para tanto, manejar os poderes requeridos para supri-las. Logo, tais poderes são instrumentais ao alcance das sobreditas finalidades. Sem eles, o sujeito investido na função não terá como desincumbir-se do dever posto a seu cargo. Donde, quem os titulariza maneja na verdade deveres-poderes, no interesse alheio”. 

Contemporaneamente, o Poder Estatal é enxergado como um todo que é exercido em três vertentes distintas, conforme sua área de atuação: administrar, legislar e julgar.

O Estado-Juiz tem a responsabilidade de exercer a jurisdição, que se traduz no ato soberano do Estado de deslindar uma situação social de conflito, por meio da afirmação e aplicação da norma legítima de maneira correta aos olhos do interesse social, compondo de forma imperiosa e definitiva os litígios entre seus jurisdicionados.

Com o monopólio da jurisdição pelo Estado, busca-se superar a fase da “justiça com as próprias mãos”, que representa o atraso e a insegurança social. A jurisdição passou, assim, a ser vista como o meio apto a compor os litígios em razão de vantagens como: imparcialidade; defesa dos direitos da sociedade; autoridade e capacidade de impor a decisão tomada; e, ainda, por seus elementos básicos, que são: a lide (existência de uma demanda ajuizada, ou seja, um jurisdicionado que vem perante o Estado a fim de deduzir sua pretensão e obter a prestação jurisdicional do Estado-Juiz); a inércia (o fato de o juiz não agir de ofício, mas somente quando provocado pelas partes); a substitutividade (o monopólio da função jurisdicional) e a definitividade (caber ao Estado-Juiz dar a palavra final nos conflitos e questões jurisdicionalmente suscitados).

Esses quatro elementos básicos traduzem a própria jurisdição exercida pelo Estado-Juiz, por meio do processo. Assim, o juiz irá adequar o caso concreto que lhe é submetido à "moldura legal", por meio da aplicação do dispositivo legal pertinente à questão, e solucionar o conflito de forma que venha a garantir que seja proporcionada aos membros da sociedade a justiça por eles esperada quando elegeram o Estado-Juiz como "único solucionador" de seus conflitos.

É certo, portanto, que o homem, para ver respeitado seu direito, diante do conflito de interesses, necessita do Estado e de pleitear perante ele o reconhecimento do direito já legitimado e obter a garantia de sua efetividade, e outro meio não há senão mediante o devido processo legal.

É crucial destacar que o Estado é criação do homem, existindo, assim, para cumprir a destinação que lhe foi reservada, sem, no entanto, poder sobrepujar, por si só, seu criador. Portanto, toda ação do Estado deve ter sempre como paradigma a pessoa humana e os direitos fundamentais do homem, considerada sua preexistência. Desta forma, assume, por missão, garantir ao homem a preservação de sua condição humana e lhe propiciar o acesso aos elementos necessários a uma existência digna.

Dentre os inúmeros elementos necessários a uma existência digna, é imprescindível a segurança e a certeza de que, diante de um conflito intersubjetivo de interesses, prevalecerá, incondicionalmente, o direito reconhecido pela sociedade, pois, a indefinição de situações das pessoas perante outras, perante os bens pretendidos e perante o próprio direito é sempre motivo de angústia e tensão individual e social. A pendência de situações desta natureza é inegável fator de sofrimento e infelicidade, bem como, a pendência de processo judicial ou a falta de condições de acesso à solução de um problema jurídico causa sofrimento, que se manifesta sob a forma de aflição, de angústia, podendo evoluir para males psicossomáticos, que, incontestavelmente, contrariam o conceito de existência digna.

É necessário destacar, ainda, que a sensação de impunidade pode levar o cidadão comum a um caminho de três vias: permanecer inerte, submetendo-se às lesões que julga sofrer, vivendo infeliz e insatisfeito, limitando-se a reter no foro íntimo a mágoa e a sensação de desamparo, que pode gerar atos de violência desproporcional contra outrem; ou, em ato de revolta e desespero, tomar a justiça em suas próprias mãos, e com a autotutela realizar sua “justiça”, o que geraria mais conflitos; ou ainda, acreditando na impunidade, adotar comportamento egoísta, sem qualquer preocupação com o direito de terceiros, conseqüentemente, em prejuízo do convívio social pacífico, já que vale a pena correr o remoto risco de ser punido, ante o benefício próprio que pode atingir satisfazendo seus interesses.

Qualquer das situações acima apresentadas é elemento de tensão social e de insegurança, que resulta em profundo desequilíbrio na convivência em sociedade, motivo pelo qual deve ser debelada pela ação e presença efetiva do Estado no ato de prevenir e dirimir conflitos.

Assim, inclui-se entre as funções do Estado contemporâneo, prevenir situações geradoras de conflitos intersubjetivos de seus jurisdicionados. Portanto, o Estado tem a função-dever de propiciar aos seus jurisdicionados mecanismos de prevenção e de acesso à sua proteção incondicional, suprimindo qualquer forma de exclusão e marginalização, viabilizando o equilíbrio de forças entre os jurisdicionados envolvidos em conflitos e o acesso à justiça. Desta forma, a Assistência Jurídica Integral e Gratuita não traduz em paternalismo ou assistencialismo, mas no fato de o Estado se tornar um bom provedor das funções que lhe compete.

 

5. O acesso à justiça no Estado Democrático de Direito 

Atualmente não basta aceitar a ideia de acesso à justiça como mero acesso aos Tribunais, ou, com outras palavras, a uma decisão emanada de um ente legitimamente investido no poder de dizer o direito. O acesso à justiça deve ser compreendido como a realização dos preceitos estabelecidos pela sociedade, não apenas como normas, mas como valores éticos e morais, sempre norteados pelo objetivo da satisfação do bem-estar geral, sendo insuficiente a simples constatação da legalidade, pois nela apenas não se realiza.

A justiça é, dentre os valores, o mais amplo, completo e ansiosamente buscado pelo homem. Embora a ideia do justo possa variar de indivíduo para indivíduo, certamente, a noção de justiça vem ligada à de igualdade. Podemos até aceitar a ideia de que a igualdade plena e efetiva entre os indivíduos se traduz em utopia, que poderia ser justificada pelo fato da própria condição da natureza humana, que, conferindo-nos o poder da razão e do livre arbítrio, nos torna desiguais, possibilitando a alguns indivíduos viver em melhores condições que outros. Contudo, na atualidade, não é possível aceitar, permitir e tolerar que um indivíduo, utilizando-se destas diferenças naturais, explore e subjugue outro indivíduo, negando-lhe um direito natural. Deve-se ter em vista, ainda, que o direito moderno vem gradativamente se moldando e nutrindo-se do valor da solidariedade, tornando-se também uma função do Estado garantir ao homem uma igualdade de condições perante a lei e de propiciar o equilíbrio de forças entre litigantes, quando estes reclamam sua tutela, devendo atenuar diferenças naturais de forma que possa viabilizar ao indivíduo uma existência digna, que, certamente, implica a existência de instrumentos capazes de garantir a segurança de seus jurisdicionados, além da participação no processo de construção e legitimação da ordem jurídica, incluindo-os nesta ordem.

Desta forma, o Estado não pode afastar-se desses preceitos, sob pena de divorciar-se do elo que legitima seu poder, subvertendo-se a ordem. A não-observância dos preceitos postos pela sociedade tem o condão de autorizar a justa resistência às ordens dele emanadas, uma vez que a ordem jurídica se legitima quando satisfaz o valor da justiça em prol do bem-estar geral, proporcionando a segurança que todos os indivíduos necessitam. 

Paralelamente, a participação de cada indivíduo e da comunidade no estabelecimento de diretrizes de conduta social é fundamental para implementar normas e políticas sociais que contemplem toda a população ou parcela desta, que delas necessitem, visando impedir que a convivência humana caminhe para os modelos hobbesianos, seja o da “lei da selva”, do homem como lobo do homem, seja o da solução absolutista, esmagadora de direitos, e a consecução da realização da dignidade do ser humano. Para tanto, indispensável que absolutamente todos os jurisdicionados tenham acesso à ordem jurídica, entendida de forma ampla, em todos os seus processos, o que pressupõe a existência de um instrumento hábil capaz de concretizar esse acesso.

Conforme observou José Afonso da Silva (1988, pág. 8), é importante destacar que o Estado de Direito não se confunde com o Estado submetido ao Poder Judiciário, mas com aquele “cujos atos legislativos, executivos, administrativos e também judiciais ficam sujeitos ao controle jurisdicional no que tange à legitimidade constitucional e legal”. Tampouco se deve reduzi-lo ao Estado Legislativo, por conceber o Direito como um conjunto de normas estabelecidas pelo Poder Legislativo, pois, embora o princípio da legalidade seja um elemento importante no conceito de Estado de Direito, nele não se realiza completamente.

O Estado Democrático se funda no princípio da soberania popular que impõe a participação efetiva do povo na coisa pública, participação que não se exaure na simples formação das instituições representativas, mas que visa, ainda, realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana.

A vigente Constituição Federal brasileira estabelece, em seu art. 1.º, que a nossa República é um Estado Democrático de Direito, um modelo que concilia Estado Democrático e Estado de Direito, contudo, não consiste em mera reunião formal dos elementos desses dois tipos de Estado. Segundo José Afonso da Silva (1998, pág. 7), vislumbra-se nesse modelo “um conceito novo, que incorpora os princípios daqueles dois conceitos, mas os supera, na medida em que agrega um componente revolucionário de transformação do status quo”.

O Estado Democrático de Direito agrega um componente revolucionário de transformação do status quo, na medida em que este ressalta a relevância da lei, mas sem ficar limitado a um conceito de lei como o que imperou no Estado de Direito clássico; o princípio da legalidade passa a estar agregado à democracia, ou seja, desdobrando-se de forma que possa exercer função transformadora da sociedade, que realiza o princípio da igualdade e da justiça, não pela sua generalidade, mas pela busca da equalização das condições dos socialmente desiguais. A relevância da lei passa a ser destacada não apenas quanto ao seu conceito formal de ato jurídico abstrato, geral, obrigatório e modificativo da ordem jurídica existente, mas também quanto à sua função, a de propiciar ao convívio social modos predeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemão, como se guiarem na realização de seus interesses, impondo mudanças sociais democráticas.

Assim, o Direito, imantado pelo valor democrático, incorpora e constrói-se com a necessidade de ajustar-se aos interesses coletivos, em um processo de estruturação de uma sociedade livre, participativa, justa e solidária, abrindo caminhos para o exercício das prerrogativas da cidadania, possibilitando concretizar as exigências de um estado de justiça social fundado na dignidade da pessoa humana.

O Estado Democrático de Direito compreende a exigência de normas públicas claras e consistentes; a existência de tribunais acessíveis e estruturados para ouvir e determinar as diversas reivindicações legais. Este pressupõe a garantia de que as normas jurídicas gozam de legitimidade e que estas são aplicadas pelas autoridades judiciárias de acordo com determinados critérios; a exigência de que as normas sejam aplicadas por Tribunais imparciais, acessíveis aos cidadãos, que motivem suas sentenças no próprio direito e que atuem contra os desvios do poder, controlando a constitucionalidade das leis e os desvios dos atos administrativos. Daí deriva a responsabilidade política do Poder Judiciário perante a sociedade, não sendo mero aplicador do direito.

O Estado brasileiro pautou sua conduta na consecução do objetivo da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, solidificada na cidadania e na dignidade da pessoa humana, e no dever de buscar continuamente a erradicação da pobreza, da marginalização e promover o bem de todos aqueles que se encontram sob sua jurisdição. O Estado brasileiro comprometeu-se também, perante a comunidade internacional, a dar prevalência aos direitos humanos, incorporando em seu ordenamento jurídico referido dever.

Consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos, um dos textos mais importantes da sociedade contemporânea, do qual o Estado brasileiro é signatário, em seus artigos 1.º e 2.º, que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Que todos os seres humanos são dotados de razão e consciência e devem agir de um para com o outro em espírito de fraternidade. Estabelece, ainda, que todos os direitos e liberdades citados naquela declaração devem ser estendidos a todos os seres humanos do mundo, sem qualquer tipo de distinção como: raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou outro estado.[1].

Portanto, sendo nossa República um Estado Democrático de Direito, esta tem o dever-função de garantir o acesso de absolutamente todos os seus jurisdicionados à sua ordem jurídica, e como seu corolário, proporcionar ampla informação e orientação jurídica, viabilizando o acesso à Justiça, sem temor ou surpresas, consolidando a participação de todos no processo de solidificação, efetivação e construção do ordenamento jurídico, construindo uma justiça democrática.

Desta forma, o Estado Democrático de Direito tem por dever disponibilizar ao jurisdicionado todos os instrumentos necessários e todo o aparato do Estado-Juiz para fazer valer os direitos e deveres estabelecidos em seu ordenamento jurídico, devendo afastar toda e qualquer forma de obstáculo que impeça ao jurisdicionado o acesso à justiça, entendendo-a da forma mais ampla possível, ou seja, ter a oportunidade de conhecer e entender o ordenamento jurídico; participar da sua construção, solidificação e efetivação; e, ainda, ser atendido prontamente toda vez que necessitar da intervenção do Estado para dirimir um conflito de interesse instaurado, em igualdade de forças e de oportunidades; dando-lhe condição de fruir plenamente do bem da vida que foi obstado injustamente por outro. 

Assim, o acesso à justiça se impõe não só em razão da expressa disposição constitucional, em decorrência do modelo de Estado adotado por nossa República, mas principalmente pela imposição dos valores éticos e morais aceitos e exigidos pela sociedade brasileira.

Nesse esteio, a Justiça deve ser considerada finalidade política do Estado, que este deve implementar, de forma que aqueles que se sentirem ameaçados, seja por quem for, e até mesmo pelo Estado, possam, por meio do Estado-Juiz, ver seus direitos respeitados e garantidos. Visa-se, assim, colimar uma democracia política com uma democracia social, construindo uma sociedade democrática dentro de uma política democrática.

A Justiça tem papel fundamental no modelo de Estado Democrático de Direito, não se resumindo ao acesso aos Tribunais, motivo pelo qual somente mediante um amplo acesso ao ordenamento jurídico é que será possível atingir a segurança que a sociedade brasileira almeja e o equilíbrio de forças, que tornam possível a paz social. Sendo certo que um adequado serviço de assessoria jurídica tem o condão de viabilizar a exigência do desenvolvimento e implementação de políticas sociais voltadas para o bem-estar geral e uma justiça distributiva capaz de atenuar as diferenças sociais, exigindo uma adequada distribuição de renda e mudança na atual estrutura social.

 

6. O direito à jurisdição e à ação 

É preciso ter em mente que as situações de conflito e injustiça não se resolvem por si só; tampouco é possível deslindá-las pela simples positivação da lei. A composição de um litígio e a restauração da justiça implica a aplicação da norma legítima de maneira correta.

A sociedade transferiu ao Estado o monopólio da atividade legislativa e da aplicação do direito por ele posto. Portanto, se dúvidas houver quanto à interpretação de uma lei e de seu alcance, ou se sobrevier uma situação de conflito por violação das leis postas, somente ao Estado, e a nenhum outro, cabe dizer o que é correto para efeito de aplicação desta lei e exigir do violador a reparação da lesão que porventura tenha causado a outrem.

Assim, a segurança do homem é proveniente da crença no direito e, acima de tudo, na crença da aplicação justa da lei por um ente legítimo, imparcial e forte o suficiente para fazer valer a lei em caso de sobrevierem conflitos. Decorre também da possibilidade concreta e eficiente de poder exigir do Estado esta prestação, denominada tutela jurisdicional.

É exatamente por meio destes elementos que o jurisdicionado pode fluir da segurança que o direito confere à sociedade com a positivação das normas, sendo esta atividade, de buscar a prestação estatal para fazer valer direitos e, portanto, solucionar conflitos havidos na sociedade, que configura o direito à jurisdição e o direito de ação.

Assim, na medida em que o Estado assume o monopólio desta função, este avoca a obrigação de prestar a justiça aos seus jurisdicionados, que abdicaram do direito de fazer valer a lei pelas próprias mãos.

É insofismável que o acesso de um povo à jurisdição é um eficaz instrumento de medição de democracia deste povo, pois, quanto mais democratizado, mais efetiva, rápida, facilitada e concreta é a prestação da tutela jurisdicional.

A amplitude do direito à jurisdição se constitui verdadeira prova de fogo do próprio ordenamento jurídico vigente. A repetição de demandas e a sua cristalização jurisprudencial indicam os rumos que o sistema jurídico de um dado Estado deve tomar, pois não foge ao alcance da percepção de ninguém o papel importantíssimo que a jurisprudência exerce diuturnamente na prática do direito.

É, pois, por meio da atividade de dizer o direito diante do caso concreto, que se afirma que a norma jurídica que serviu de premissa ao silogismo judicial é efetiva, que vincula na prática todos os homens que se encontram sob o poder do Estado na vida social. Assim, diante do desrespeito da norma no caso concreto e da eficaz ação do Estado em obstar e corrigir o ato violador, demonstra-se a tantos outros que façam parte do corpo social a sua força e eficácia. Assim, também é válida a premissa contrária, ou melhor, se o Estado não é eficaz e não obsta ou não corrige o ato violador, fomenta e demonstra a tantos outros que façam parte do corpo social a sua fraqueza, ineficiência ou que aquela norma não precisa mais ser respeitada, expurgando-a do mundo fático, restringindo-a somente a mera existência formal, até que outra lei a revogue.

Restringir o acesso ao judiciário, o direito à jurisdição, vedando ou estreitando o direito de ação é também uma das medidas primeiras que se tomam no modelo ditatorial, como forma de garanti-lo, pela mitigação ou mesmo extirpação de qualquer forma de contraposição.

É importante destacar que a ideia da luta pela consecução da ordem jurídica não se encontra na estagnação, nunca foi a omissão e a pura e simples aceitação do estado de coisas atual, mas a “ação”, a busca pela tutela jurisdicional, sendo esta postura a responsável por trazer elementos para a própria positivação do ordenamento jurídico.

Assim, o agir, o direito de ação, é fundamental na estrutura que impulsiona a máquina estatal a exercer a sua função jurisdicional, de dizer o direito aos casos concretos, constituindo, também, um importante mecanismo de positivação do ordenamento jurídico. Mais importante ainda é que, se por um lado o direito de ação é a forma imediata de consecução de um direito lesado ou em vias de lesão, é, também, por outro, forma mediata de afirmação da ordem jurídica, para toda a coletividade, num ato de reafirmação da validade da norma para todo o ordenamento jurídico.

Nesse sentido, corroborando o que foi exposto, fazemos nossas as palavras de Rudolf Von Ihering (1998, pág. 84), que “a essência do direito está na ação. O que o ar puro representa para a chama, a liberdade de ação representa para o senso de justiça, que sufocará se a ação for impedida ou perturbada". 

 Portanto, é apropriado afirmar que a proteção e ampliação ao acesso ao judiciário e à ordem jurídica correspondem à fixação do paradigma democrático, e que a restrição a esse direito e, consequentemente, à restrição à função jurisdicional corresponde o paradigma da ditadura, da autocracia, da exceção.

O direito à jurisdição e o direito à ação constituem direitos dos quais dependem todos os outros direitos. A restrição do acesso a esses direitos a apenas uma parcela da população, somente a uma classe da sociedade, constitui um mecanismo cruel de dominação e de positivação da ordem jurídica em desfavor dos demais membros da sociedade, ante o condão que o direito de ação e o direito à jurisdição têm de direcionar a ordem jurídica de forma que mantenha no poder uma classe, protegendo seus interesses e afastando qualquer tentativa de mudança.

Como já afirmado, o direito que se exerce perante o Estado, ao se pleitear a tutela jurisdicional para um caso específico, é imediatamente aproveitado pelo requerente da tutela, mas também é dirigido a toda a sociedade, pois, por meio dele, está-se afirmando a própria ordem jurídica nacional, efetivando-a [2].

É crucial, portanto, que o Estado não só positive a jurisdição e a ação como um direito, mas, acima de tudo, viabilize as condições para que este direito seja exercido pelos seus titulares de modo eficaz.

Assim, a ordem nas relações existentes entre os sujeitos de direito, prescrita nas normas jurídicas, é uma ordem que somente pode considerar-se existente na medida em que existam meios de torná-la uma realidade concreta. Pois, como já afirmou Kelsen (2000, pág. 12): "uma norma que nunca e em parte alguma é aplicada e respeitada, isto é, uma norma que – como costuma dizer-se – não é eficaz em uma certa medida, não será considerada como norma válida. Um mínimo de eficácia é a condição da sua vigência".

Podemos então dizer que o direito à jurisdição e o direito de ação, concebidos como pura e simples faculdade de acesso aos tribunais, fazem parte do mínimo de poderes jurídicos inerentes à própria condição humana, como real instrumento de apelo social.

O direito de ação tem fundamental importância na "vida dos direitos"; diante disto, chegou ao patamar de direito constitucional como instrumento de cidadania, como direito subjetivo público de se pleitear a tutela jurisdicional do Estado.

Assim, o direito à jurisdição juntamente com o direito à ação compõe o rol dos direitos políticos fundamentais do cidadão, constituindo verdadeiro direito-garantia, sem o qual nenhuns dos direitos, reconhecidos e declarados pela sociedade, por meio de previsão legal, têm exercício assegurado. Razão pela qual os direitos à jurisdição e à ação receberam da comunidade global o reconhecimento do status de direito fundamental, ultrapassando, desta forma, as fronteiras do direito interno, por meio da Declaração Universal dos Direitos do Homem, na ONU, em 1948, quando definiu expressamente em seus artigos 8 e 10 que toda pessoa tem direito a um recurso efetivo perante as jurisdições nacionais competentes contra os que violarem os direitos fundamentais que lhe são reconhecidos pela constituição e pela lei, e que toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja ouvida equitativamente e publicamente por um Tribunal independente e imparcial, que decidirá seja de seus direitos e obrigações, seja da legitimidade de toda acusação em matéria penal dirigida contra ela.

Neste contexto, a efetividade do direito à jurisdição e do direito à ação guarda restrita correlação com o dever estatal de oferecer todas as condições para exercício de referidos direitos, de forma justa e democrática. Tal postura se impõe, até mesmo, por uma condição de segurança do próprio Estado, pois, ao retirar do cidadão a possibilidade de realizar pelas próprias mãos o sentido de justiça, tornou-se imprescindível a viabilização do acesso à jurisdição, não podendo, por qualquer forma ou ato, restringir tais direitos, sob pena de se formar “bolsões de jurisdição paraestatal”, a comprometer a soberania do próprio Estado.

 

7. Justiça e pobreza 

A pobreza é um tema sempre atual, está presente em quase todos os países, constituindo uma constante ameaça para a humanidade, pois seus reflexos acabam por atingir não somente os pobres, mas toda a sociedade, inclusive os mais ricos, talvez em menor potencialidade, mas atingem.

É importante destacar a existência de um povo miseravelmente pobre, como o povo brasileiro, em que a desigualdade social é fato longe de um desfecho em curto prazo e alarmante índice de pobreza.

A pobreza é vista a olhos nus e a miséria é exposta de forma gritante na mídia. Pessoas que vivem em casas modestas, quando não moram embaixo dos viadutos ou ao relento, por vezes sem acesso a condições mínimas de higiene e saúde, com restrição ao abastecimento d’água para o seu atendimento e muito menos esgoto. Mas não se trata apenas de exclusão social, da formação de uma população marginalizada e abandonada à própria sorte ou à vontade de Deus. Trata-se de uma população que dorme quando pode; come quando alguém lhe dá algo ou quando vão às feiras livres da pobreza, aos lixões, onde disputa com os urubus os restos jogados fora; que recebe tratamento médico quando a morte já é inevitável ou quando a saúde já está tão debilitada que ela já não pode mais ser enxotada; uma população desinformada que nunca recebeu uma educação mínima que lhe permitisse subsistir nesta sociedade complexa, ou, se um dia se sentou à frente de um educador, este não soube compreender toda a complexidade de se viver na pobreza e na miséria, não soube acolhê-la e compreender suas deficiências, que consciente ou inconscientemente acabou expulsando-a e negando-lhe a oportunidade de evoluir culturalmente; uma população que é humilhada todos os dias pelos mais diversos motivos; que sente na carne a perversidade e a indiferença do ser humano; que é obrigada a obedecer a uma lei que não foi forjada nos palácios da Assembleia Legislativa. Uma população que não é compreendida, até porque nem mesmo ela se compreende.

Trata-se da fomentação de insatisfações, angústias, tristezas, rancor, ódio, dor, doenças, perversidades, intolerâncias, o aniquilamento da dignidade da pessoa humana, e tantas outras fontes de embrutecimento da alma, que acabam por serem despejadas na sociedade, na forma de agressões e violências, que cada vez mais se potencializam em um ciclo vicioso, que parece aumentar a cada nova agressão sem fim.  

Trata-se também da exploração de uma situação que por si só seria suficiente para causar repulsa a qualquer homem justo e de bem, e que, no entanto, não bastando todos os sofrimentos que a pobreza e a miséria são capazes de criar, alguns “homens” sem qualquer escrúpulo acabam por encontrar na pobreza e na miséria fontes de riqueza e de exploração, violando constantemente e habitualmente os direitos do homem, reconhecidos pela sociedade, ultrajando a dignidade da pessoa humana.

Esse ultraje à dignidade da pessoa humana se dá na exploração da mão-de-obra do trabalhador; na exploração da mão-de-obra infantil; na remuneração desproporcional ao trabalho realizado e exigido por lei; na exigência do cumprimento de uma carga horária de trabalho, superior ao suportado pelo ser humano; na imposição de exercer atividade laborativa de alto risco e de insalubridade, sem qualquer equipamento de segurança; no não- recolhimento dos encargos sociais, que serviriam para reverter em benefício da população carente, ou o desconto dos encargos sociais do trabalhador sem, contudo, repassá-los ao Estado, em verdadeira apropriação indébita; no trabalho escravo; no aliciamento de mulheres e crianças para a exploração sexual; no oferecimento de produtos impróprios ao consumo a um preço acessível; na agiotagem; na exigência de juros extorsivos e ilegais, para o acesso a um bem de consumo; por meio de crediários que são absolutamente impossíveis de serem adimplidos; na desinformação do economicamente desfavorecido, impondo obrigações ilícitas; na exigência de contratos abusivos e excessivamente onerosos ao pobre e miserável; na cobrança de multas e taxas abusivas; na prática de crimes de estelionato; na negativa de direitos já reconhecidos por lei pela sociedade; na realização de negócios jurídicos, tirando proveito da situação econômica, de forma que venha a lesar o economicamente desfavorecido; na prática de violência ou ameaças que subjuguem e coloquem o pobre e o miserável sob suas ordens; e inúmeras outras lesões que causam desconforto, insatisfações, angústias, tristezas, rancor, ódio, dor, doenças, perversidades, intolerâncias e aniquilamento da dignidade da pessoa humana.

Estas violações e desrespeitos aos direitos e à dignidade da pessoa humana ocorrem constantemente e de forma habitual, em razão de saberem estes “homens” inescrupulosos das dificuldades que um pobre ou miserável tem de buscar no Poder Judiciário a defesa e o cumprimento dos direitos postos pela sociedade, e que estes pobres e miseráveis muitas vezes irão se submeter, também pela ignorância em que são mantidos, por não haver outro meio, senão à submissão e à aceitação das condições impostas por seus algozes.

Ocorre que todo esse conjunto de lesões à dignidade da pessoa humana irá funcionar como um fermento, que acaba fazendo crescer cada vez mais a mágoa, a sensação de desamparo, a revolta, que podem gerar atos de violência desproporcional, na absoluta maioria das vezes não contra o seu algoz, mas contra outrem, pois raramente um homem, submetido a estas condições, tem estrutura para suportar tamanha pressão e dor.

A sociedade, por sua vez, num gesto de autodefesa e incompreensão, acaba por reagir de uma forma equivocada, criando instrumentos e mecanismos perversos de prevenção, contenção e reação à violência, gerando ainda mais ódio e violência, colocando todos aqueles que pertencem àquela população pobre e miserável em uma mesma vala comum, condenando-os antecipadamente pelo simples fato natural do nascimento no seio daquela população.

A perversidade é ainda maior ante a complexidade das estruturas criadas pela sociedade, pela evolução tecnológica e científica e pela exigência cada vez maior de capacitação educacional, que acaba por agravar ainda mais esta situação de exclusão, gerando aumento da população marginalizada, que passa a disputar espaço e comida, num jogo de sobrevivência, na fomentação da lei do mais forte, gerando novamente uma litigiosidade exacerbada no seio desta população, e, certamente, a sociedade irá sofrer o impacto da pobreza, que ela própria gera, tanto de forma aguda como de forma crônica.

A sociedade acaba por se colocar em uma “panela de pressão”, sem o instrumento que teria para evitar a explosão, pois ela própria o retira, ao restringir ou tornar absolutamente inviável e ineficaz o acesso desta população aos meios de prevenção e composição de litígios, exigindo um ônus que esta população não pode suportar, ou o preenchimento de requisitos que a própria sociedade lhes nega[3], desestimulando a procura pelos órgãos públicos para solucionarem seus litígios, virando as costas aos problemas que julgam insignificantes ou de baixo valor econômico, fomentando a ideia de desamparo e de que a força é o único meio de se fazer “justiça”. É neste momento que a sociedade inicia um processo de autodestruição, tornando-se agressores/vítimas da sua indiferença, maldade e perversidade.

Em uma comparação grotesca, mas que ilustraria muito bem o peso destes obstáculos, seria o fato de se exigir ao homem que percorresse uma distância de 100 Km em 1 hora; parece até um absurdo tal comparação, pois é do conhecimento de todos que esta tarefa seria muito fácil, porquanto qualquer carro tem condições de propiciar ao homem o deslocamento no espaço, nesta velocidade e neste tempo, não sendo, portanto, tarefa difícil ou impossível. No entanto, imagine dar esta tarefa a um homem do rincão do nordeste, ou a um morador da floresta amazônica que nunca viu ou ouviu falar em automóvel, ou qualquer outro meio de transporte senão o lombo de um animal ou uma canoa que ele mesmo construiu, que acredita que uma máquina que possibilite a um homem tal proeza se trata somente de uma lenda. Para este homem, certamente, esta tarefa seria impossível, e por mais valiosa que fosse a recompensa a ele oferecida, certamente ele sequer pensaria em tentar cumpri-la. Na maioria das vezes, é exatamente assim que se sente um pobre ou miserável que bate às portas do Poder Judiciário ou qualquer outro órgão de auxílio a esta população.

Um dos sentimentos que mais afetam a personalidade humana é certamente o sentimento de estar sendo injustiçado, de não haver justiça, e que ninguém, a não ser ele próprio, é a única pessoa capaz de realizá-la, que a Justiça não será feita se ele não tomá-la em suas mãos. Nestas condições, o homem torna-se uma besta, um ser absolutamente irracional, cego pela sede de vingança, por um direito supostamente violado.

Neste momento, sem acesso às leis, sem conhecer seus direitos e os limites do seu direito, não tendo qualquer parâmetro ou norte do legal ou ilegal, a Justiça se torna Injustiça, pois cada um passa a enxergá-la e exercê-la de acordo com suas conveniências e seus padrões morais, legitimando no seio daquela população as barbáries noticiadas nos meios de comunicação, ou a formação de leis próprias que viabilizem a convivência em um meio tão hostil.

Assim, nestas circunstâncias, haverá dois Estados em um só, um não reconhecendo a existência do outro, e um não tendo poder de sobrepujar o outro, comprometendo a paz social, agigantando o número de vítimas de sua violência.

 O Estado de Direito tem condições de reverter este quadro; basta cumprir sua função precípua, a de proteger o cidadão e dirimir litígios, aplicando o direito, em uma justiça igual para todos, indistintamente da sua condição financeira e de seu endereço residencial; viabilizando o acesso de todos; não afastando da sua apreciação qualquer ameaça ou lesão ao direito, seja ela qual for; prontificando-se a afastar qualquer obstáculo ou dificuldade que o impeçam de conhecer, julgar e exigir o cumprimento dos direitos reconhecidos pela sociedade.

A sensação de que a lei existe, é e será cumprida, e que qualquer ameaça ou lesão ao direito, sendo levada aos Tribunais, será devidamente apreciada pelo Poder Judiciário e que o mesmo será protegido pelo Estado, tem o condão de apaziguar a alma e diminuir sensivelmente a sensação de injustiça. Por conseguinte, diminui a litigiosidade exacerbada e/ou contida, devolvendo ao Estado o monopólio da Justiça, essencial ao equilíbrio da sociedade e da paz social.

 

8. O dever-função do Estado em prestar Assistência Jurídica Integral e Gratuita 

Se aceitarmos a ideia de que o Estado é o único detentor legítimo do poder de produzir, dizer e aplicar o direito, corolário será o seu dever de propiciar, indistintamente, o acesso de absolutamente todos os seus jurisdicionados ao conhecimento do ordenamento jurídico por ele produzido e à sua atividade de prestação de justiça, impondo-lhe, de forma insofismável, o dever de afastar todo e qualquer obstáculo que impeça o exercício do direito à informação e à tutela jurisdicional.

Nesse contexto, é indiscutível que o acesso à ordem jurídica, entendida não somente como o conhecimento da legislação posta pelo Estado, mas toda a estrutura que envolve a administração das relações intersubjetivas e a função judicante, deve ser o mais fácil e amplo possível.

O Estado tornou-se pródigo em sua atividade legislativa, produzindo um incontável número de normas destinadas a reger a sociedade. Com isto, conhecer e compreender o ordenamento jurídico tornou-se uma tarefa muito difícil, muitas vezes incompreendido até por aqueles que o produziram e pelos profissionais tecnicamente habilitados. Assim, leva-nos a crer que maior dificuldade tem o jurisdicionado comum para compreendê-lo, por vezes nem sequer tendo o conhecimento da existência de determinada norma, considerando, ainda, que o Estado não admite ao jurisdicionado a escusa do desconhecimento da lei.

A ignorância do ordenamento jurídico também pode gerar conflitos de interesses, pois acarreta ações, que fatalmente ocasionam lesões morais e materiais, consequentemente fonte de litígios que, na maioria das vezes, somente serão dirimidos por meio da tutela jurisdicional do Estado.

Contudo, não basta bater às portas do judiciário para se obter a composição de um litígio; inúmeras são as providências a serem tomadas antes do ajuizamento de uma ação judicial e nesta não se finda.

Ocorrida uma lesão, instalado o litígio e sendo impossível resolvê-lo pela via amigável, somente o Estado poderá dirimi-lo por meio de uma ação judicial. No entanto, antes do ajuizamento desta, há todo um processo que a antecede. Condições impostas pela cultura jurídica que necessitam ser observadas, uma vez que a não-observância de determinadas exigências pode acarretar a sucumbência da pretensão em litígio.

O envolvido no litígio necessita, portanto, conhecer o direito que julga ter, o que só é possível através da orientação jurídica, e, assim, saber como proceder e avaliar a possibilidade de êxito em uma demanda judicial. Não raro, exigem-se do jurisdicionado providências administrativas junto a órgãos públicos ou privados, antes de se provocar a intervenção do judiciário, implicando também a necessidade de reunião de documentos e provas indispensáveis à instrução de futura ação. Providências que, na maioria das vezes, o homem comum não tem condições de realizá-las sozinho, tornando, por vezes, indispensável o assessoramento por um especialista habilitado a fazê-lo. Mesmo assim, vencida a etapa que antecede o ajuizamento da ação, outros obstáculos dificultam a provocação da tutela jurisdicional do Estado.

Em rigor, bater às portas da Justiça não deveria custar nada. No entanto, não é o que ocorre. O Estado exige do jurisdicionado o pagamento de custas e despesas processuais, além de outros serviços prestados por auxiliares da justiça, indispensáveis à prestação da tutela jurisdicional, o que acaba, por vezes, tornando-se um obstáculo intransponível para uma enorme parcela da população, ante o seu alto custo, ou o fato de que o valor necessário para movimentar a máquina judiciária acaba superando o valor do bem pretendido, ou implica a privação de outros bens, desestimulando a busca do Estado para a solução do litígio, acarretando consequências indesejáveis pela sociedade.

A Assistência Jurídica Integral e Gratuita é um instrumento garantidor do direito à jurisdição e à ação, já que visa dar ao jurisdicionado condições de conhecer o ordenamento jurídico, claramente fundamentais para a legitimação da ordem jurídica, como exposto anteriormente, constituindo-se em uma garantia de proteção do exercício de todos os demais direitos.

O dever de Assistência Jurídica Integral e Gratuita alcança também outros dispositivos constitucionais, contidos na mesma relação de direitos e garantias constitucionais. Em seus incisos XIV e XXXIII, preceituam ser direito de todos o acesso à informação, atribuindo-se ao Estado o dever de prestá-las aos economicamente necessitados.

Trata-se não só de meio de acesso à futura obtenção de tutela jurisdicional às pretensões do indivíduo hipossuficiente, mas também instrumento de acesso à informação e consultoria jurídica, pois o direito só é vivenciado em sua plenitude quando todos conhecem as normas da sociedade, passando, por este motivo, pela educação jurídico-política, visto que é desta forma que o jurisdicionado pode, com maior propriedade,  reivindicá-los perante o Estado. O exercício da jurisdição e da ação constitui instrumento de construção e legitimação da ordem jurídica.

Nesse aspecto, a assistência jurídica é também um corolário do direito à informação, previsto no rol dos direitos e garantias individuais constitucionais (CF/88, art. 5º, XIV, primeira parte, e inciso XXXIII), um dever previsto de forma clara e precisa, disposto como atribuição do órgão oficial do Estado, a Defensoria Pública, consignado no art. 134 da CF/88.

Este dever assume ainda maior relevância, no presente momento, ante o nosso direito positivado, extremamente complexo, constituído por um grande número de normas, decorrente de uma verdadeira “inflação legislativa”, beirando, por vezes, o casuísmo.

Dentro de tal sistema e ordem, ou desordem, até mesmo os agentes do direito não têm capacidade intelectiva de captar e manter, na memória, essa imensidão normativa, ou compreendê-la de forma clara. Se assim é para os profissionais habituados a trabalharem com o direito, que dirá o cidadão, excluído da quase totalidade dos benefícios que deveriam advir-lhe em razão de sua própria condição.

Assim, exige-se que o Estado, gerador desta “ordem”, propicie uma série de condutas efetivas e necessárias, não só deslindando conflitos, mas também prevenindo-os por meio da educação jurídico-politica e compondo-os de maneira satisfatória, respeitando, assim, a necessidade da nossa sociedade, formada basicamente por pessoas desprovidas de recursos econômicos e culturais, evitando-se a tutela de interesses pelas próprias mãos.

A Assistência Jurídica assume, assim, seu aspecto de dever-função[4] do Estado em prestar informação ao hipossuficiente que assim se declarar, pois referido direito à tal assistência jurídica é também direito público subjetivo à informação jurídica, que deve ser prestada pelos órgãos estatais competentes.

Contudo, a Assistência Jurídica não se restringe ao dever estatal de prestar informação sobre direito. Abrange também a consultoria e o aconselhamento jurídicos, bem como o procuratório extrajudicial, sem se falar, é claro, do procuratório judicial.

O dever do Estado em prestar a Assistência Jurídica Integral e Gratuita não decorre apenas de ensinamentos jurídico-filosóficos, ou um dever moral, ante uma cultura cristã, ou um dever legal, mas também uma forma de impedir que o Estado perca a legitimidade de seu monopólio jurídico.

Primeiramente, contemplamos o art. 5º, LXXIV da Constituição Federal de 1988, em cotejo com o seu caput: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Tendo, ainda, direito à informação, na forma do art. 5º, incisos: “XIV – é assegurado a todos o acesso à informação...; e XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral...”.

Para a efetivação da prestação destes direitos individuais por meio do Estado, a Magna Carta elege, em seu Capítulo III, referente ao Poder Judiciário, especificamente, na Seção III, a Defensoria Pública como o órgão primordial de prestação de assistência jurídica aos necessitados, não retirando, contudo, tal função dos advogados privados, que deverão prestá-la em caráter subsidiário.

Assim, os arts. 133 e 134 da CF preceituam: “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, (...).” Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.”[5] 

A organização da Defensoria Pública já encontra previsão legal na Lei Complementar n.º 80, de 12.01.1994, estabelecendo que a mesma tem, dentre outras, a função de, como informa seu art. 1º, “prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma da lei”.

A Defensoria Pública organiza-se nos Estados de acordo com o art. 97 da já citada Lei Complementar, devendo seguir as normas gerais por esta traçada, restando, claro, portanto, estar elas incumbidas de prestar a assistência jurídica.

É importante destacar que alguns Estados da Federação ainda não instalaram a Defensoria Pública, mas nem por isso deixaram de positivar o direito à Assistência Jurídica aos necessitados, e tampouco deixaram esses necessitados órfãos de um órgão oficial capaz de prestar a contento este serviço.

No Estado de São Paulo, a assistência jurídica aos necessitados é tratada em sua Constituição Estadual no art. 3.º, função própria do Estado, incumbindo à Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, em obediência ao disposto no art. 10, nos Atos da Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Estadual, exercer a função da Defensoria Pública, pois: “Art. 10. ... Enquanto não entrar em funcionamento a Defensoria Pública, suas atribuições poderão ser exercidas pela Procuradoria de Assistência Judiciária da Procuradoria Geral do Estado ou por advogados contratados ou conveniados com o Poder Público”.

Ressaltando ainda que a Lei Complementar Estadual n.º 478, de 18.07.1986, denominada Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, em seu art. 2.º, XV, impõe-lhe a atribuição de prestar assistência judiciária aos necessitados. Esse termo, contudo, deve receber interpretação extensiva, e visto que, mais à frente, o art. 28, em seus incisos I e VI, e o art. 29, I e III, traçam distinção entre as assistências judiciária e jurídica, impondo ambas à Procuradoria de Assistência Judiciária, órgão da Procuradoria Geral do Estado.

Em face das necessidades sociais, a Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo criou Órgão Auxiliar, tendo como atribuição básica a orientação jurídica à mulher, no art. 36: “Art. 36. São atribuições do Centro de Orientação Jurídica e Encaminhamento à Mulher prestar orientação jurídica à mulher, promover seu encaminhamento aos órgãos competentes para solução dos problemas apresentados e manter intercâmbio com entidades congêneres.”

O Estado do Rio de Janeiro também cuidou da Assistência Jurídica aos necessitados em sua Constituição Estadual, até mesmo inovando e indo além, na medida que atribui à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, além de promover assistência jurídica para tratar de direitos individuais, tem legitimidade para atuar na defesa de direitos coletivos, judicial e extrajudicialmente, legitimidade esta geralmente deferida ao MP, à União, Estados, Municípios e Distrito Federal, ou a entidades privadas, na defesa dos direitos coletivos de seus associados.

O função-dever do Estado de prestar Assistência Jurídica Integral e Gratuita aos necessitados decorre ainda mais do fato da complexidade jurídica de um Estado Democrático de Direito e de sua natureza.

As instituições tidas como essenciais à função jurisdicional do Estado, como o é a Defensoria Pública, relacionam-se com esses fundamentos a fim de conferir aos necessitados meios de resistência contra o autoritarismo, a prepotência, o arbítrio e a injustiça, especialmente quando partida do próprio Estado, buscando sempre efetivar o princípio da igualdade, decorrente do próprio caráter adotado pelo Estado brasileiro e do respeito à dignidade da pessoa humana, tomando esta como um direito fundamental do indivíduo, não se esquecendo de que constitui objetivo fundamental de nossa República, nos termos do art. 3º da CF. Tendo em vista, ainda, que o Estado brasileiro, na esfera internacional, se compromete a dar prevalência dos direitos humanos (CF, art. 4º, II).

Todo homem tem o direito de ser protegido pelo Estado, seja através dos meios de prevenção de litígios, seja por meio de instrumentos legitimadores de direitos, seja quando ameaçado por iminente lesão, seja quando atingido por ação lesiva de outrem, ou como garantidor dos direitos individuais, ético-sociais e políticos, não podendo sua condição financeira tornar-se um obstáculo ao acesso à ordem jurídica, motivo pelo qual, tendo o Estado o dever de garantir o respeito da dignidade da pessoa humana, e seus corolários, o Estado tem o dever de prestar Assistência Jurídica Integral e Gratuita aos jurisdicionados economicamente hipossuficientes, como meio de atingir o direito de pleitear os bens da vida que necessitam e fazer valer seus direitos perante o Estado.

 

9. Conclusão 

A sociedade reconheceu a necessidade de atribuir ao Estado o monopólio da justiça, ou seja, o poder de estabelecer a norma e aplicá-la; capacitando-o para deslindar um litígio quando instaurado. Desta forma, o Estado assumiu o dever-função de garantir a todos os seus jurisdicionados o acesso à ordem jurídica e à justiça, por meio de seus Tribunais, se necessário.

Contudo, a ordem jurídica construída pela sociedade e aplicada por meio do Estado atingiu uma complexidade capaz de confundir até mesmo os agentes do direito, profissionais habituados à interpretação e aplicação das normas impostas a todos os jurisdicionados. Neste contexto, é imperioso reconhecer que o jurisdicionado, que não tem por atividade a prática jurídica, necessita de orientação quando diante de um conflito de interesses, do seu temor, ou na eminência da concretização de negócios jurídicos que impliquem o risco do surgimento de conflitos se uma das partes não adimplir sua obrigação.

A informação e a orientação jurídica precisa é certamente um instrumento poderoso no processo de prevenção de litígios, um direito levado ao status de garantia constitucional, constituindo um elemento indispensável para a construção da cidadania e da democracia, pois é por meio do conhecimento da estrutura normativa que o jurisdicionado pode exigir da sociedade, por meio do Estado, o cumprimento das diretrizes legitimadoras do poder do Estado. Consequentemente, o jurisdicionado viabiliza a sua segurança e o respeito aos seus direitos, tendo a certeza que lhe será garantida a sua pretensão à fruição de um bem da vida quando obstado injustamente pela pretensão de outro jurisdicionado.

No entanto, o acesso à orientação jurídica e o acesso à justiça, por meio dos Tribunais, exige do jurisdicionado a posse de recursos financeiros aptos a suportar o custo das despesas com esse serviço. Assim, a tutela jurisdicional do Estado estaria restrita a uma minoria da população, abastada de recursos financeiros, não olvidando que milhões de brasileiros encontram-se marginalizados e excluídos desta tutela, por absoluta incapacidade econômica.

A exclusão e a marginalização dos jurisdicionados economicamente hipossuficientes implica a negativa de acesso à Justiça, o impedimento da participação dessa população no processo de legitimação da ordem jurídica, consequentemente ocorrendo a concretização de mais uma forma de exclusão e discriminação, o que certamente tem o condão de acarretar a todos os jurisdicionados, indistintamente, insegurança e tensão social, capazes de comprometer o convívio em sociedade e até mesmo o Estado.

A insegurança e a tensão social já são notórias, causando o comprometimento da autoridade do Estado, gerando incertezas, inseguranças e agravando o conflito de interesses e a indefinição de situações das pessoas perante outras, perante os bens pretendidos e perante o próprio direito, fomentando angústia e tensão individual e social, concretizando situações de inegável fator de sofrimento e infelicidade, o que justificaria o retorno ao estado de natureza, conforme idealizou Hobbes.

Assim, é inegável que o Estado tem o dever de impedir situações desta natureza e eliminar todos os obstáculos que impedem a participação de absolutamente todos seus jurisdicionados no processo de construção e legitimação da ordem jurídica, reconhecendo que o acesso à justiça não se resume ao acesso aos Tribunais. Mais que isto, é fundamental que o jurisdicionado conheça a lei, os seus direitos e os seus limites, podendo efetivamente participar da construção da ordem jurídica do Estado ao qual pertence, garantido aos seus jurisdicionados o acesso aos mecanismos de proteção e prevenção de conflitos de interesses e, se necessário, possam usufruir a garantia de fazer valer suas pretensões perante os Tribunais.

A Assistência Jurídica Integral e Gratuita é, portanto, um instituto jurídico capaz de mitigar os obstáculos que se apresentam para o acesso dos jurisdicionados economicamente hipossuficientes à ordem jurídica, consistindo atividade-dever do Estado em propiciar-lhes o direito processual-material de utilizar, de forma gratuita, o serviço público do Estado de: consulta e orientação jurídica; utilização dos serviços de advogados na defesa judicial ou extrajudicial de seus interesses; utilização de serviços de auxiliares da justiça; isenção e dispensa de pagamento de custas, taxas e despesas processuais e extraprocessuais, necessárias à defesa de seus interesses em juízo ou em órgãos administrativos; e, ainda, dispensa do pagamento das despesas extraprocessuais que não se exaurem no processo, para a efetivação do direito reconhecido pelo Estado, em verdadeiro instrumento de acesso à ordem jurídica do Estado, um dos sustentáculos do Estado Democrático de Direito.

O benefício da Assistência Jurídica Integral e Gratuita não deve, portanto, ser vislumbrado como mero gesto de caridade, ou paternalismo, ou assistencialismo, mas, sim, um instrumento de reequilíbrio social e instrumento de manutenção e legitimação do poder do Estado.

Contudo, não basta a positivação do direito, tampouco a instalação de um órgão incumbido de prestar o serviço de Assistência Jurídica Integral e Gratuita. É imprescindível que o Estado garanta a efetividade da prestação do serviço de Assistência Jurídica Integral e Gratuita, dotando o seu orçamento de verbas capazes de cobrir absolutamente todas as despesas que se fazem necessárias ao deslinde de um litígio, viabilizando a utilização de todos os meios possíveis à consecução deste objetivo.

É insofismável que não basta apenas a instalação da Defensoria Pública; é necessária a existência de causídicos em todo o território nacional, capazes de atender a todos os jurisdicionados economicamente hipossuficientes que necessitam de orientações jurídicas e do ajuizamento de ações hábeis a garantir a composição dos litígios instaurados.

Acreditar na viabilidade da prestação da Assistência Jurídica Integral e Gratuita unicamente por meio de defensores públicos constitui um equívoco capaz de resultar em retrocesso e em enorme prejuízo à população carente, que não se deve aceitar. Contudo, é essencial para o sucesso desse serviço que os profissionais interessados em sua prestação estejam capacitados tecnicamente, exigindo-se deles qualificação mínima na habilidade de tratar de forma adequada a população carente, por meio da conscientização das limitações que o usuário deste serviço possui, o que exige paciência, dedicação e solidariedade dos profissionais que prestam Assistência Jurídica Integral e Gratuita.

A consecução dos fins do Estado na prestação do serviço de Assistência Jurídica Integral e Gratuita requer, ainda, sua ampla divulgação à população carente, para que esta se socorra dos serviços profissionais postos a sua disposição quando se deparar com situações de conflitos de interesses ou no temor de sua ocorrência. 

Desta forma, é possível construir um processo de inclusão, participação e legitimação da ordem jurídica. Consequentemente, viabilizar a construção da cidadania e da realidade empírica da dignidade da pessoa humana, dando ao jurisdicionado a certeza de que pode e deve confiar na Justiça e no poder atribuído ao Estado.

 

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Referências no texto:

[1] Artigos 1.º e 2.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamados pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de Dezembro de 1948, estabelecidos como ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações.

[2] No mesmo sentido são, também, as palavras de Carnelutti, ao pregar que "a verdade é que sem o juízo a lei nem poderia surgir nem poderia servir para os fins de direito". CARNELUTTI, Francesco Como nasce o direito Trad. Hiltomar Martins Oliveira Belo Horizonte: Líder, 2001, p. 49. Ou ainda, a lição de Cintra, Pellegrini e Dinamarco, ao comentarem que "a jurisdição é considerada uma longa manus da legislação, no sentido de que ela tem, entre outras finalidades, a de assegurar a prevalência do direito positivo no país". CINTRA, Antônio Carlos de Araújo et alli Teoria geral do processo 14 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.38.

[3] Requisitos como: endereço residencial, quando muitos sequer têm um teto ou, quando têm, é um barraco que está em uma ruela de favela sem número ou qualquer identificação. A exigência de documentos indispensáveis à propositura de uma ação, como: Certidão de Nascimento; Certidão de Óbito ; Certidão de Casamento; RG; CPF; Carteira Profissional. Ainda pior que exigir estes requisitos do jurisdicionado, é exigir dele que providencie-os sem dar-lhe qualquer informação ou instrução ou meio de consegui-los.

[4] Sobre dever-função, ver Celso Antônio Bandeira de Mello. Elementos de Direito Administrativo. [s. l.]: Malheiros Editores, 3. ed., 1992. p. 21.

[5] No sentido de que o advogado privado, subsidiariamente, exerce o munus público da assistência jurídica, ver art. 34, XII, da L. 8.906, de 04.07.1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB): "Art. 34. Constitui infração disciplinar: (...) XII - recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública." Tal infração é apenada com censura, nos termos do art. 36.

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