Este é um documentário que conta a história de famílias que invadiram em 2004 uma área que pertencia à uma empresa que havia iniciado processo de falência em 1989, a Selecta, do empresário Naji Nahas
Essa área ficou conhecida como “Pinheirinho”. O número de habitantes era estimado entre 6 e 9 mil moradores (no começo de 2010, esse número era de 5.534). Referida área tratava-se de um terreno abandonado há mais de 20 anos, em São José dos Campos.
Em julho de 2011, a justiça ordenou que as famílias fossem retiradas de lá. Em 22 de janeiro de 2012, a Polícia militar do estado de São Paulo realizou a reintegração de posse, colocando todos os moradores do local fora. A maioria deles saiu apenas com a roupa do corpo. No mesmo dia em que os moradores foram retirados do terreno, os tratores iniciaram a demolição das casas com todos os pertences dos moradores dentro.
Essas pessoas ficaram sem uma moradia e perderam tudo o que tinham, tudo o que compraram em quase 8 anos de trabalho. A maioria das famílias eram bem pobres, que ganhavam entre 0 e 3 salários mínimos.
O governo, em vez de buscar um caminho para regularizar a situação dos moradores daquele bairro, preferiu expulsar todos eles do terreno e criar outros problemas com impactos sociais na cidade.
Este documentário conta uma história do Pinheirinho e apresentam fatos até janeiro de 2013, quando o documentário foi finalizado.
Direção: Fabiano Amorim
(clique aqui e conheça a vida de duas pessoas que foram afetadas pela decisão que determinou a reintegração de posse da área conhecida como Pinheirinho, A história de Naji Nahas e Dona Maria).
8 comentários:
Partes extraídas do Parecer Jurídico apresentado na disciplina de Direito Civil V - no Curso de Direito da UFMS/CPTL, ministrada pelo Prof. Me Evandro Carlos Garcia. Discentes: Cristiano Souza, Elaive Veloso, Patricia Hamada e Robson Felex.
Para além da discussão da disputa político partidária, de questões de saúde pública, de questões de abuso de poder derivado da ação policial na reintegração de posse e consequentes atribuições das responsabilidades, de especulação imobiliária, de uso indevido do aparato estatal, e tendo por foco e centrando a discussão no âmbito da decisão tomada e das possíveis, o caso em tela apresenta em sua gênese o conflito tendo por um lado o direito fundamental à propriedade da empresa Selecta, e do outro lado um conjunto de outros direitos fundamentais da população que ali se estabeleceu, tais como o direito de moradia, a dignidade da pessoa humana, o desrespeito ao efetivo cumprimento da função social da propriedade, entre outros.
Nesse sentido, é importante destacar que toda a fundamentação apresentada pelo juízo que determinou a desocupação e reintegração de posse do terreno se baseou exclusivamente no direito de propriedade da massa falida da empresa Selecta e a defesa da legalidade. Dessa forma, é valido esclarecer que segundo os professores FARIAS E ROSENVALD que, “O direito subjetivo de propriedade concerne à relação jurídica complexa, que se forma entre aquele que detém a titularidade formal do bem (proprietário) e a coletividade de pessoas. Nos bens imóveis, nasce a propriedade através do ato do registro, que a tornará pública e exigível perante a sociedade. O objeto da relação jurídica ora decantada é o dever geral de abstenção, que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa”.
Assim, como conceito, a propriedade pode ser definida como uma relação jurídica complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas, se firmando como um dos mais amplos de todos os direitos fundamentais, e que foi reconhecido constitucionalmente no art. 5º da Carta Magna, de onde se extrai que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII - é garantido o direito de propriedade;”. Além disso, se consubstancia em um direito real por excelência, insculpido no art. 1225, inciso I, e disciplinado no art. 1226 e seguintes do Código Civil Brasileiro, dos quais se extraem o conteúdo desse direito subjetivo na: faculdade de usar, faculdade de gozar, faculdade de dispor, faculdade de reivindicar. Por fim, o art. 170, II, da Constituição Federal insere a propriedade privada como princípio da ordem econômica: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: II - propriedade privada;”.
Como visto, é obvio e perceptível que a propriedade se mostra como um dos institutos mais sólidos que existe no ordenamento jurídico brasileiro e tem a sua razão de ser como ficou evidenciado. Além disso, do ponto de vista estritamente legal, à primeira vista, a Juíza da 6ª Vara Cível de São José dos Campos Márcia Faria Mathey Loreiro que ordenou a desocupação e reintegração de posse acredita que agiu de acordo com a lei e conforme as suas convicções, com aquilo que ela acreditava ser o justo, de acordo com sua formação, como se pode inferir de sua declaração : “Para mim, pouco importa se é o Naji Nahas ou se é uma pessoa que trabalhou a vida inteira pra conquistar só aquilo. A vida das partes pouco me importa. O direito de propriedade não está acima, nem abaixo do direito de moradia. Estão no mesmo nível”.
Partes extraídas do Parecer Jurídico apresentado na disciplina de Direito Civil V - no Curso de Direito da UFMS/CPTL, ministrada pelo Prof. Me Evandro Carlos Garcia. Discentes: Cristiano Souza, Elaive Veloso, Patricia Hamada e Robson Felex.
Continuação:
Entretanto, evocando aqui a autoridade de Pontes de Miranda é preciso afirmar como ele que: “Quem se contenta em ler lei é um louco, um criminoso que o código esqueceu de enquadrar”. E, nesse sentido, é preciso ficar claro que há situações, como a do Pinheirinho, que fogem de todas as previsões legais possíveis, pois possuem características que as distinguem de todas as outras situações enfrentadas pelo poder judiciário até então, e desse modo, não é porque não existe uma previsão legal dispositiva específica, que não possamos dar uma posição jurídica para o problema que não aquela voltada à simples aplicação de um artigo, desconsiderando todo o resto do ordenamento, seus valores e seus princípios.
Deve-se observar que na situação especifica do Pinheirinho não era possível fazer uma leitura isolada do instituto da propriedade e de seus dispositivos sem considerar todos os outros vetores que emergem da Constituição Federal. É preciso ter a consciência da insuficiência do argumento apresentado pelo poder judiciário e a certeza de que a resposta apresentada por ele não foi a mais adequada, pois nesse caso, a avaliação do aspecto social que envolvia a questão era fator determinante para dar sustentação ao argumento jurídico aplicado, o que foi ignorado. Assim, de forma alguma se poderia no caso Pinheirinho submeter à importância social ao império da propriedade sem antes fazer uma filtragem Constitucional de todos os institutos e valores envolvidos na questão.
Sendo assim, o caso, em sua essência, era de um conflito social e dessa forma, a ordem normativa processual tornou-se insuficiente, pois, por trás do litígio, havia uma tensão entre direitos fundamentais existenciais que são formalmente tutelados pelo sistema. E, nesse sentido, como corroboram FARIAS E ROSENVALD (2018, p. 112): “No conflito entre a propriedade – de caráter patrimonial e de ordem privada – e o direito de acesso à moradia e à subsistência, de caráter extrapatrimonial e de ordem pública, prevalecerá este último, caso sobejem evidente o abandono da coisa e a carência de legitimação do seu titular pela ausência de destinação social do bem, posto irrecusáveis os pressupostos assinalados nos arts. 1°, III, 3°, III e IV, 5° e 6° da Lei Maior”.
O posicionamento adotado nesse parecer, portanto, tem por fundamentos principais: a) a função social da propriedade; b) o direito de moradia e; c) o respeito ao principio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Partes extraídas do Parecer Jurídico apresentado na disciplina de Direito Civil V - no Curso de Direito da UFMS/CPTL, ministrada pelo Prof. Me Evandro Carlos Garcia. Discentes: Cristiano Souza, Elaive Veloso, Patricia Hamada e Robson Felex.
Continuação:
a) Função Social da Propriedade: É fundamental ressaltar que a tutela constitucional da propriedade, alinhavada no art. 5°, inciso XXII, é imediatamente seguida pelo inciso XXIII, disciplinado que “a propriedade atenderá a sua função social”. Essa inserção de princípios não é acidental, e sim intencional. Inexiste incompatibilidade entre a propriedade e a função social, mas uma obrigatória relação de complementaridade, como princípios da mesma hierarquia. Não se pode mais conceder proteção à propriedade pelo mero aspecto formal da titularidade em razão do registro. A visão romanística, egoística e individualizada sucumbiu em face da evolução da humanidade. A lei Maior tutela a propriedade formalmente individual a partir do instante em que se exiba materialmente social, demonstrando merecimento e garantindo a sua perpetuidade e exclusividade. A propriedade que não for legitimada pela função social será sancionada pelo sistema por diversas formas e intensidade (FARIAS E ROSENVALD, 2018, p. 320).
Assim, a função social penetra na própria estrutura e substancia do direito subjetivo, traduzindo-se em uma necessidade de atuação promocional por parte do proprietário, pautada no estímulo a obrigações de fazer, consistentes em implementação de medidas hábeis a impulsionar a exploração racional do bem, com a finalidade de satisfazer os seus anseios econômicos sem aviltar as demandas coletivas, promovendo o desenvolvimento econômico social, de modo a alcançar o valor supremo no ordenamento jurídico: a Justiça. (FARIAS E ROSENVALD, 2018, p. 322).
b) Direito de Moradia: A Constituição Federal de 1988 garante a todos os cidadãos, como preceito fundamental, o direito à moradia: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Como muito bem esclarecem GOMES, ANGELUCCI e ALMEIDA apud SARLET: “existe uma intima relação entre o direito à moradia e a dignidade humana. Para o autor, na ausência de um lugar adequado para a própria proteção e de sua família, em que o individuo e seus familiares possam desfrutar de privacidade e intimidade, viver com um mínimo de saúde e bem-estar, não há realização da dignidade e, muitas vezes, não há sequer a segurança física. Ao definir o conteúdo de moradia, o primeiro passo do autor consiste em diferenciá-lo do direito de propriedade. O direito à moradia é, portanto, direito fundamental autônomo, dotado de objeto e âmbito de proteção própria. Quando se fala em moradia, portanto, há um significado muito além da propriedade de um espaço físico. É o que ocorre em Pinheirinho: a ocupação representava o conjunto de superações daquela população para alcançar uma infraestrutura básica, criar laços com seus vizinhos, estabelecer pontos de comércio dentro da comunidade”.
Nesse sentido, ao compreendermos a dimensão que existe no direito a moradia, não resta dúvida que houve na reintegração de posse do Pinheirinho uma violação grave do direito fundamental à moradia, tendo em vista que na decisão, não se buscou superar a ideia privatista de que a propriedade é meramente individual, podendo o seu proprietário, com ela, fazer ou deixar de fazer qualquer coisa, desconsiderando a coletividade.
Partes extraídas do Parecer. Grupo: Gabriela Ramos Gesteiro, Kelly Suzuki de Araújo e Naiara Ferreira da Silva (discentes UFMS/ CPTL)
Partindo do direito fundamental à propriedade, a retirada truculenta das famílias ocupantes do “Pinheirinho” foi um golpe dado pelo Estado. Ao acionar a Polícia Militar local para cumprir a ação de reintegração e não ter nenhum tipo de assistência social e, o mais importante numa diligência deste tipo- remoção-, nenhum Oficial de Justiça investido de um instrumento de mandado; faz com que a legitimidade da Ação seja questionada.
Outro ponto apresentado é a presença de um documento que realmente comprove que o terreno pertencia a Naji Nahas. O direito à propriedade existe de maneira fática, isto é, são considerados os meios materiais, tudo o que concretiza a relação de propriedade entre a pessoa e a coisa; no caso em questão um registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis (CRI).
Pode ser adicionada aos fatos expostos a quebra do pacto federativo, pois ao descumprir decisões de instâncias federais, a Justiça Estadual violou a hierarquia que deve ser observada; o acordo dava até fevereiro para os ocupantes, o Estado os removeu de maneira ríspida antes do acordo estabelecido pelo STJ. Além disto, os meios utilizados pela Polícia Militar foram totalmente desumanos, ao lançar sobre os moradores “sprays de pimenta”, demolir as casas e os deixarem na rua, sem haver a reinserção social.
Por fim, deixando de lado as questões sociais, que chocaram a população na época, cabe salientar que foi desrespeitado também o Código Civil que era vigente no ano do fato (2012). Após o deferimento irregular da Ação de Reintegração, pois não houve consonância com a decisão proferida pela Justiça Federal, também foram desrespeitados os prazos trazidos no artigo 564 do referido código, o qual prevê quinze dias de prazo para a contestação do réu; cujo não ocorreu devido à retirada dos ocupantes ter sido feita antes de findado prazo.
A derrubada do “Pinheirinho” foi para além de uma questão de direitos humanos e garantias individuais, atingiu também direitos positivados que versam sobre a propriedade e posse, assim questiona-se a legimitade e legalidade da ação.
O caso do Pinheirinho reflete o grave problema de moradia que temos no país, e mostra como é difícil ter acesso a um direito fundamental que é justamente o de acesso à moradia. Além da clara influência política e econômica que corrompe a lei, podemos ver como o Judiciário pode se submeter a essa inversão de valores. Um exemplo claro, ficou demonstrado no documentário passado em sala de aula, pudemos ver a declaração da juíza da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, no ano de 2012, com os dizeres de que o direito à moradia não pode estar acima do direito à propriedade, mas na mesma proporção. E o que dizer da função social da propriedade? Ou seja, a moradia é essencial para a personalidade de cada indivíduo, a propriedade é um bem, um objeto, e não é uma pessoa. E o que dizer do princípio da dignidade da pessoa humana? Cada indivíduo tem o direito de ter para si resguardada a sua dignidade, acima de qualquer pecúnia.
Partes extraídas do Parecer. Grupo: Thiago Prieto de Rezende e Damiana Ferreira
Segundo nossa Carta Magna de 1988, no seu art. 184: “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária ... e cuja utilização será definida em lei.”
O parágrafo 2º do art. 183 da CF preceitua que o usucapião urbano “não será reconhecido ao possuidor mais de uma vez”, impedindo que tentassem transformar o instituto em negócio com fins exclusivamente lucrativos.
A Lei 10.257/2001, 'Estatuto da Cidade', regulamentou os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo "diretrizes gerais da política urbana". Esta lei também acrescentou a modalidade usucapião especial de imóvel urbano.
A Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro preceitua sobre o Princípio da Segurança e da Estabilidade Social, trazendo que “a lei não pode retroagir para violar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
Já o Código Civil de 2002, art. 2035 trata da retroatividade das normas de ordem pública, tais como as que visam assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
Um dos princípios da Administração Pública é o da economicidade. Com previsão inclusive constitucional, positivado no art. 70 da CF, garantindo a obtenção do melhor resultado estratégico possível de uma determinada alocação de recursos financeiros, econômicos e/ou patrimoniais em um dado cenário socioeconômico.
Diante dos fatos expostos, acreditamos que, no caso ‘Pinheirinho’, não foram observados os preceitos constitucionais, dentre eles o da função social da propriedade, visto que o plano diretor municipal da cidade em questão deveria ter-se adequado a este princípio.
Sendo assim, a propriedade pleiteada não estava exercendo a sua função social, nem gerando lucro, nem utilizada para atividade comercial, desde sua aquisição pelo empresário há mais de 23 anos, quando da data de sua ocupação.
Observamos, ademais que, o valor devido de imposto ao município, pela parte que requeria a reintegração superava o valor venal do terreno no ano de 2004. Contudo, a região ao longo do tempo, passou a sofrer grande especulação imobiliária fruto da própria expansão industrial da cidade, triplicando o valor venal do terreno. Entendemos assim que, a posição a ser tomada seria a de desapropriação, contudo com o pagamento de indenização ao proprietário, transferindo a cada morador que ali estabeleceu residência, a propriedade de seus imóveis.
Portanto, acreditamos que os gastos empreendidos no ato de desapropriação ocorrido em 22 de janeiro de 2012, mostraram grave descumprimento do princípio da economicidade aplicada à Administração Pública, uma vez que a operação policial gerou gastos exorbitantes. Os gastos pós-desapropriação foram ainda mais exorbitantes, onde as famílias foram alocadas em galpões públicos expostos à condições insalubres. E ainda, os gastos empreendidos com a desocupação poderiam ter sido evitados se o Poder Público tivesse resolvido esse conflito quando do seu início.
Concordamos com os moradores que requeriam a propriedade, uma vez poderia ter sido transformada em Zona Especial de Interesse Social. E ainda, acreditamos que, o que ocorreu foi um enorme descaso público, em um claro confronto entre os direitos da dignidade da pessoa humana em detrimento do direito de propriedade.
Mesmo diante de todos os flagrantes desrespeitos aos princípios constitucionais e infraconstitucionais, uma vez que a massa falida da Selecta já tinha sanado as dívidas com os credores, o terreno do ‘Pinheirinho’ foi reintegrado à massa falida do empresário Naji Nahas, segundo ordem judicial da Juíza Márcia Mathey Loureiro.
Para razoável alento das famílias que se envolveram nessa desgastante batalha judicial, as chaves das casas prometidas desde a época da reintegração começaram a ser entregues no dia 22 de dezembro de 2016, prazo que já tinha sido adiado cinco vezes por problemas na obra.
Partes extraídas do Parecer. Grupo: Emanuel Muniz, Gian Nascimento, Marcelo Eserian e Pedro Henrique Monagatti
Símbolo do desrespeito ao direito constitucional à função social da propriedade, o caso Pinheirinho, traz pontos além de políticos e governamentais, atingindo, principalmente, aspectos sociais. O conflito se deu a partir da retirada de cerca de 240 famílias de uma área em São José dos Campos, pertencente ao empresário Naji Nahas, que esteve abandonada por aproximadamente 23 anos até a ocupação por pessoas sem teto, que viveram por oito anos no local até a retirada a força por decisão judicial de reintegração de posse em 2012.
Em uma abordagem técnica jurídica, o grupo avaliou a decisão e a medida de execução da sentença equivocada e desproporcional, respectivamente. Tendo em conta que os ocupantes lá foram postos depois de as lideranças regionais os indicarem o local, que lá mantinham a posse de forma pacífica, que agiram com ânimus possendi e lá fizeram benfeitorias necessárias a eles, como casas, ruas e praças.
A função social da propriedade é prevista constitucionalmente e replicada no Código Civil, de forma que áreas sejam utilizadas e mantidas de modo eficaz. A inutilização, como no caso em tela, vai em total desacordo a essa garantia, comparada por alguns doutrinadores até a um princípio a ser seguido.
Importante ressaltar também o respeito, por parte dos ocupantes, às áreas definidas pelo município como de preservação ambiental, seguindo o plano diretor, e até beneficiando o meio ambiente com a cuidado e tratamento ao local, que, abandonado, poderia até causar efeitos prejudiciais à área e entornos.
Uma outra crítica a ser considerada pelo grupo se dá pela falta de sensibilidade das autoridades públicas na execução da reintegração da posse. Se de um lado a intenção do Poder Público era garantir o Direito de Propriedade da Selecta – massa falida da empresa a qual pertencia o terreno onde fora estabelecido o Pinheirinho –, por outro foi desrespeitado o mesmo direito dos moradores sobre seus bens, que foram perdidos em meio à destruição dos imóveis e violência na expulsão da terra de Naji Nahas.
Em síntese, apesar de desempenhar a função constitucional de desapropriar, a União deixou de reconhecer o direito de moradia de todos aqueles que habitavam as terras e tinham dado a elas uma utilidade prática, porém, não reconhecido ou valorizado pelo Poder Judiciário.
Partes extraídas do Parecer Jurídico. Discente: Kaique Hernandes Bueno de Almeida
Conclui-se que o caso do Pinheirinho foi um dos mais polêmicos existentes no país, em se tratando da violação de inúmeros Direitos Fundamentais resguardados por nossa Constituição.
A juíza Márcia Loreiro ao expedir a liminar que permitiu a atividade dos policiais, ignorou todos os fatores externos da situação, focando-se apenas no direito à propriedade de um único individuo. A mesma, por sua decisão “justa” acabou beneficiando um empresário que possuía uma condição de vida melhor e muito mais digna do que todos os moradores do terreno de sua propriedade, terreno este que desde a sua aquisição, nunca foi cuidado pelo mesmo, bem como, se fosse vendido para que o Governo pudesse regularizar aquele local como um bairro legal, não faria falta, muito menos, deixaria Naji Nahas em uma situação de vida degradante.
Infelizmente, a decisão da magistrada acabou por violar todos os direitos fundamentais resguardados por nossa CF. Muitos moradores ficaram ao relento, sem comida ou lugar para dormir, outros ficaram abarrotados, como porcos nos alojamentos fornecidos pela prefeitura. Alguns foram internados por conta dos ferimentos ocasionados pela polícia. A maioria perdeu todos os bens que tinham conquistado com o suor sagrado do trabalho durante os oito anos de ocupação.
Por fim, vimos que mais uma vez em nossa história, prevaleceu o direito patrimonial ao invés de ter prevalecido os direitos extrapatrimoniais de milhares de pessoas.
Insta salientar que haviam outras formas para que a situação fosse resolvida. Os resultados oriundos de tal conflito resultou ao Governo Estadual e Municipal inúmeros gastos, sendo que estes, se fossem convertidos desde o início da problemática, teriam resolvido o conflito da melhor forma possível, sem a necessidade de violar nenhum direito fundamental, bem como o de propriedade.
Assim, é fato que a solução adotada pelo judiciário à época apenas enalteceu algo que ocorre desde a formação de nosso ingênuo país, bem como, rasgou o que é um dos mais importantes princípios regentes de nossa Magna Carta, a dignidade da pessoa humana.
Em síntese, vale indagar uma última vez a decisão tomada pela juíza da 6ª Vara Cível de São José dos Campos. O que é mais importante para o Estado de Direito, a história, o suor sagrado do trabalho de cada dia, a vida e felicidade mínima de milhares de pessoas ou um lote a mais no rol de bens patrimoniais de um único indivíduo?
É o parecer.
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